O que não falta por ai, é gente a dar palpites. Senhores
professores, doutores e engenheiros, mestres em dizer o que há a fazer. Mestres
em identificar todos os males do país. Mestres em apresentar soluções que
afinal ninguém põe em pratica, ou quando põe, se mostram ruinosas. Gente com
muito currículo, formada em universidades estrangeiras, mestrados noutras
universidades ainda mais conceituadas, doutorados no top five mundial. Ocupam
posições de destaque em bancos e empresas de reputação internacional. Tudo do
melhor que pode haver.
Em minha opinião só tem uma lacuna, coisinha sem
importância, desconhecem por completo o país que lhes dá tempo de antena para darem
palpites. Quando é que esta gente sai à rua e tenta perceber a realidade em que
vivem os seus concidadãos? Quando é que saem sem motorista ou sem batedores da
policia, para tentarem perceber as dificuldades reais de locomoção com que
todos os dias somos confrontados? Quando é que esta gente tenta conviver, com a
realidade que é o nosso país, onde a grande maioria conta os tostões todos os
meses para poder chegar ao fim do mês com as refeições em dia?
É fácil estar sentado numa secretária, em ambiente
climatizado, analisando números e actualizando os seus conhecimentos através da
imprensa internacional. Difícil é ter que dizer aos filhos que não se pode
comprar, porque o dinheiro não chega nem para comer, quanto mais para pagar a
conta de Internet!
Tenho tido o privilégio, de trabalhar noutros países. Tenho
tido a possibilidade de passar férias fora de Portugal. E posso-vos garantir
que a ideia com que ficamos das realidades locais são bem diferentes. Já estive
de férias em locais onde também já estive em trabalho. Uma coisa não tem nada a
ver com outra!
Quando estamos de férias até podemos ter a percepção do que
se passa à nossa volta. Mas uma coisa é ter a percepção, outra coisa é ter que
viver essa mesma realidade.
Numa das viagens que fiz em trabalho, fui confrontado com
algo que me aborreceu nos dois primeiros dias da minha estadia. Quando eu voltava
do almoço, as pessoas a que comigo trabalhavam de manhã, não apareciam ou
estavam meio “adormecidas” da parte da tarde, o que tornava as tardes muito
pouco ou nada produtivas. No primeiro dia vi, não gostei mas não me manifestei.
Ao segundo dia, percebi que aquele iria ser o “ritual”, achando descabido,
falei com o responsável local. Em meu entender estavam-se a desperdiçar
recursos financeiros sem o aproveitamento que seria desejável, eu estava lá, disponível, podendo ajudar muito, e só estava a ajudar um bocadinho.
A resposta mudou a minha forma de ver a vida! As pessoas que
“desapareciam” a seguir ao meu almoço, faziam-no porque o corpo não dava para
mais. Acordavam ás cinco da manhã, caso tivessem conseguido dormir por causa do
mau tempo. Eu acordava pouco antes das oito, bem dormido, num quarto de hotel,
com todas as mordomias ao meu dispor. Tomavam a única refeição do dia com sol,
dependendo do que tinham conseguido arranjar no dia anterior. Eu tomava um
pequeno almoço muito bom, onde não faltava nada. Para chegarem ao local de
trabalho, caminhavam em média três horas. O meu motorista, chegava pontualmente
à hora marcada, para me conduzir durante cinco minutos, em ambiente
climatizado, pois às nove da manhã o calor que já se fazia sentir “punha-me” a
transpirar ao mínimo esforço. Pouco depois do meio dia eu ia almoçar, sempre
aos melhores restaurantes da cidade. Mas os meus “colegas” não, permaneciam nas
instalações. Tentando gastar o mínimo das energias possíveis, porque o que
tinham abastecido de manhã, tinha que dar até à noite, quando chegassem a casa,
depois de caminharem o percurso de volta, onde iriam comer o que houvesse disponível.
Como é que eu iria poder “exigir” daquela gente que desse o
mesmo rendimento que eu, quando as realidades eram tão distintas? A partir do
terceiro dia no meu pequeno almoço e mesmo ao almoço, providenciei alguns viveres
para poder alimentar aqueles que até queriam, mas em virtude das carências, não
podiam ter a disponibilidade que eu achava adequada.
Se eu me tivesse limitado a criticar, se não tivesse
“vivido” e entendido a realidade local, ninguém iria ficar a lucrar. Eles
teriam gasto uma boa maquia, que não teria o proveito que era pretendido. Eu
teria saído do país em causa com a sensação que o meu conhecimento não tinha
sido rentabilizado ao máximo, que poderia ter feito muito mais!
Não foi isso que aconteceu, adorei trabalhar com pessoas,
que embora muito modestas e com muitas carências, dão tudo o que tem para dar.
É esta falta de entendimento e de vivências, que em minha
opinião, falta aos senhores que mandam “postas de pescada” e acabam por
decidir, sentados em gabinetes, lendo o New York Times, mas que não fazem a mínima ideia de como se vive em S. Martinho das Amoreiras ou em Moimenta da
Beira.
Para que serve um posto médico completamente equipado, se
falta o principal: o médico?
Sem comentários:
Enviar um comentário